PGBR NA MÍDIA
Sistema eletrônico da prefeitura de SP trabalha contra os advogados
Por Marcelo Guaritá Bento
Está em curso no País uma louvável tentativa de usar a tecnologia e a simplificação de processos e procedimentos para ajudar a destravar a economia, reduzir a burocracia e prestar, assim, serviços mais eficientes ao cidadão. Inclusive, tal bandeira foi levantada pelo novo presidente da República ainda durante a campanha eleitoral, e reiterada nesse início de governo.
Há muito a tecnologia vem fazendo grandes revoluções no setor privado, o que não é novidade para ninguém. E aos poucos, ainda que em marcha mais lenta, vem chegando ao setor público.Tal movimento pode ser notado nos reiterados esforços do Poder Judiciário para, com a ajuda da tecnologia e de julgados sob a forma de rito repetitivo, reduzir o estoque de processos.
Iniciativas nesse sentido também vêm sendo tomadas no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que vem deixando de recorrer em algumas matérias já pacificadas. No mesmo rumo, o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) alterou seu regimento para permitir a aplicação de entendimentos consolidados do STF e do STJ nos processos administrativos federais de sua competência.
Entretanto, como bem recomenda o adágio popular, quando a dose é exagerada pode matar o paciente. É que o vem sendo constatado por nós advogados perante a Prefeitura de São Paulo. O município, na esteira da modernização, passou a utilizar o SEI (Sistema Eletrônico de Informações), já há muito usado no País por outros órgãos públicos. Em verdade, o SEI não é um processo eletrônico propriamente dito, mas sim digitalizado.
O que se percebe é que os documentos são meramente digitalizados e inseridos no sistema. A instituição do SEI fez com que deixasse de existir boa parte dos arquivos físicos. Se não é o ideal, não se pode deixar de reconhecer que é um avanço. Ainda nesse contexto, a Prefeitura também, a exemplo do que já faz a Secretaria da Receita Federal (DTE) e a Secretaria da Fazenda do Estado, passou a usar o DEC (Domicilio Eletrônico do Cidadão) — ferramenta pela qual se comunica com os contribuintes.
O primeiro alerta é que muitos, ainda não acostumados com a nova forma de comunicação, vêm sistematicamente perdendo prazos nos processos administrativos. Portanto, fica a observação para que se possa dar a devida atenção à nova maneira que a administração pública direta tem usado para se comunicar com os administrados.Pois bem, tal instrumento tem agilizado intimações e diminuído os custos estatais. E não se pode, com justificativa nas distorções, acabar com a medida que parece beneficiar todo o aparato público. Entretanto, os equívocos, especialmente quando muito graves, merecem maior atenção do Poder Público e precisam ser rapidamente corrigidos, sob pena de alimentar o ciclo vicioso que pretende combater.
É que os advogados, frequentemente, não têm conseguido obter vistas dos processos administrativos nos quais atuam, mesmo estando regulamente constituídos por seus clientes nos respectivos expedientes, o que fere as prerrogativas da profissão, o devido processo legal, acarreta cerceamento de defesa e vai levar novas discussões ao Poder Judiciário, o que se poderia facilmente evitar. Isso porque, na nova sistemática municipal, para se obter acesso ao processo administrativo, a municipalidade exige seja enviada a solicitação por e-mail ao endereço eletrônico sfvista@prefeitura.sp.gov.br.
O problema é que na grande maioria das vezes, a resposta vem com um e- mail padrão negando acesso ao advogado que já tem poderes nos autos, com a alegação de que “para comprovação da legitimidade, o pedido de vistas deverá ser feito através do e-mail cadastrado na Senha Web. Solicitamos que efetue o pedido através do e-mail cadastrado ou faça a alteração dos dados cadastrais da Senha Web.”
Mesmo quando enfaticamente alertado pelos advogados no sentido de que possuem poderes para patrocínio da causa já apresentados nos respectivos expedientes, o atendimento eletrônico da Fazenda Municipal responde sem dar vista dos autos, ainda que com prazos em curso, restringindo a solicitação de acesso a um e-mail específico cadastrado pelo cliente, que, não raro, nem se lembra qual é.
Ao negar vista dos processos SEI aos patronos dos contribuintes, não há dúvidas de que decisões administrativas serão anuladas por ofensa ao devido processo legal, prazos serão restituídos, novos julgamentos administrativos terão de ser realizados, sem se falar dos mandados de segurança que serão impetrados para permitir o acesso, que, repita-se, é prerrogativa necessária para o exercício da profissão. Tal distorção pode colocar em risco uma boa ideia e causar o efeito contrário, aumentando a burocracia, o tempo de trâmite dos processos administrativos, e elevando o estoque do Judiciário. É preciso urgentemente corrigir o que é óbvio.
*Marcelo Guaritá Bento é mestre em direito do Estado, professor do Pecege Esalq/USP e sócio do Peluso, Stupp e Guaritá Advogados.