PGBR NA MÍDIA
Retrospectiva do agro: 2021 encerra com promessas de incertezas
Manuel Eduardo C. M. Borges e Marcelo Guaritá B. Bento*
12 de dezembro de 2021
Ano a ano, vemos aumentar o reconhecimento interno e mundo afora sobre o protagonismo do agronegócio em competitividade, geração de riquezas e empregos e a contribuição para a balança comercial e o PIB nacional. Evolução que vem se tornando inquestionável.
Apesar de tantos indicativos de prosperidade, a agropecuária não foi poupada dos impactos trazidos pela pandemia sobre todos os setores da economia ao longo de 2020. Inflação elevada, escassez de insumos, fechamento de fronteias, alta volatilidade de câmbio e elevação dos juros foram alguns dos desafios enfrentados por todos da cadeia produtiva. Em meio a tantos fatores não controlados da porteira para dentro, o agronegócio teve uma extensa agenda no Legislativo e no Judiciário que demandou muita atenção e articulação do setor.
Os diversos projetos de reforma tributária (em especial Propostas de Emendas Constitucionais 45/2019 e 110/2019 e o Projeto de Lei nº. 3.887/2020) e, mais recentemente, do Imposto de Renda (Projeto de Lei 2.337/21), foram amplamente discutidos e exigiram forte dedicação das entidades de classe e de representantes e defensores do setor, através da importante coordenação pelo Instituto Pensar Agro e pela Frente Parlamentar da Agropecuária.
Todo esse trabalho tem por enfoque o convencimento e reinvindicação para o respeito à essencialidade do nosso setor primário e o tratamento fiscal adequado que isso exige do Brasil, que enfrenta forte concorrência mundial dos demais países produtores, bem como o combate a insegurança sobre a não cumulatividade plena, o custo financeiro decorrente do longíssimo fluxo de caixa para ressarcimento do crédito e o advento de conformidade fiscal mais onerosa para a imensa maioria dos produtores, formada por pessoas físicas. Apesar da extensa dedicação e mobilização, em especial da Câmara dos Deputados, a tônica da política entre Executivo e Legislativo prevaleceu e, ao que tudo indica, ‘jogou’ a discussão para o próximo ano, já que teremos eleições dominando a pauta em 2022.
Ainda no Legislativo, deve-se dar destaque para o andamento ao longo do ano dos projetos de regularização fundiária e licenciamento ambiental. Os Projetos de Lei 2.663/2020 e 510/2021 estão em fase final de tramitação nas comissões temáticas do Senado e buscam unificar a legislação de regularização fundiária, trazendo inovações, como aumento das áreas passíveis de regularização com dispensa de vistoria técnica e novo marco temporal para comprovação de ocupação, que viabilizarão a regularização de milhares de hectares ocupados por pequenos produtores e, por conseguinte, propiciarão maior segurança jurídica no campo e redução do desmatamento ilegal. Já o Projeto de Lei 2.159/2021, para instituição da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, também se encontra no encerramento das discussões em comissões do Senado, mas ainda sem consenso e muitas divergências, sobretudo a dicotomia entre a desburocratização, para destravar o desenvolvimento e atenuar a insegurança jurídica, e o maior rigor ambiental, para afastar qualquer ato que possa ser entendido como retrocesso da política de proteção e preservação.
Já sobre o Poder Judiciário, o presente ano iniciou sob forte expectativa para desfecho de vários julgamentos com impactos relevantes para o setor, não apenas, mas sobretudo em matéria tributária. Isso porque, desde o início da pandemia e o consequente advento do plenário virtual, o Supremo Tribunal Federal pôs em marcha o plano para pautar e julgar inúmeras teses em matéria tributária de grande repercussão, em velocidade e frequência nunca observadas na Suprema Corte.
Apesar de a agenda do tribunal ter confirmado tal expectativa, sucessivos adiamentos, pedidos de vista e retiradas de pauta postergaram o desfecho dos casos relevantes para o agronegócio, dentre eles a revisão do marco temporal para demarcação de terras indígenas (RE 1.017.365) e a (in)constitucionalidade da redução do ICMS para insumos agrícolas prevista no Convênio 100/97 (ADI 5.553), da contribuição ao Funrural das agroindústrias (RE 611.601), dacontribuição ao Funrural exigida dos produtores pessoas jurídicas (RE 700.922), da sub-rogação pelos adquirentes para o recolhimento do Funrural nas aquisições de produtores pessoas físicas (ADI 4.395) e da contribuição ao SENAR sobre a comercialização da produção rural (RE 816.830).
Por sua vez, o Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR) merece o reconhecimento como protagonista da atualidade. Embora inaugurado no início de 2019, o LCDPR vem se transformando, com velocidade, no principal desafio da rotina fiscal dos produtores rurais. E neste ano não foi diferente, em que o livro digital se consolidou como realidade ao revolucionar o controle fiscal das despesas da atividade rural e ao potencializar os processos de fiscalização instaurados pela Receita Federal do Brasil.
Na prática, o LCDPR resulta na declaração fiscal de todas as operações desenvolvidas pelo produtor rural ao longo do exercício, propiciando o cruzamento de inúmeros dados fiscais e financeiros e servindo de poderosa ferramenta de fiscalização, o que tem resultado na forte escalada da análise a respeito da conformidade da documentação fiscal idônea exigida na lei e do atendimento do critério material de todo investimento e despesa apropriados na atividade rural.
O advento do LCDPR marcou uma nova era na apuração do Imposto de Renda do produtor rural pessoa física. A sistemática permite um controle muito mais transparente, presente, eficiente e impactante por parte do Fisco Federal. Confirmando as expectativas, o livro digital já desencadeou em significativo aumento na fiscalização, nas autuações e nas controvérsias acerca do tema. Não há dúvidas de que os próximos anos nos reservam muito mais frutos do LCDPR e um cenário inundado de discussões sobre a apuração fiscal das despesas, investimentos e receitas rurais.
Em meio à tantas incertezas herdadas em 2021 e reservadas para o futuro próximo, é certa a previsão de tempos desafiadores em diversos aspectos da atividade rural, exigindo de todo produtor muito além das superstições e crenças lançadas na busca do clima ideal para a produção, mas também demanda boa dose de vigilância, mobilização e, sobretudo, de planejamento individual, voltado especialmente à gestão operacional e fiscal, e coletivo, para a mobilização e coordenação eficaz sobre as diversas questões impactantes ao setor.
*Manuel Eduardo C. M. Borges, advogado especialista em Direito Tributário pela FGV/SP; Marcelo Guaritá B. Bento, bacharel e mestre em Direito pela PUC/SP. Sócios do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados