PGBR NA MÍDIA
Portaria do governo que proíbe exigência de vacinação causa insegurança jurídica
Priscila Schweter*
04 de novembro de 2021
Na última segunda-feira, dia 01/11, foi publicada a Portaria n.º 620/2021 do Ministério do Trabalho que proíbe a exigência de comprovantes de vacinação pelo empregador no ato da contratação ou para a manutenção do vínculo empregatício.
A determinação, em sentido diametralmente oposto ao que vêm sendo aplicado por inúmeras empresas e decidido pelos Tribunais do país, se baseia em diversos princípios constitucionais, tais como o direito à vida, liberdade, igualdade, valorização do trabalho humano, busca do pleno emprego, dentre outros.
Nesse sentido, a Portaria destaca em seu artigo 1º que é proibida a adoção de qualquer prática “discriminatória e limitativa” para acesso à relação de trabalho ou de sua manutenção, sendo classificada como prática discriminatória a exigência de certificado de vacinação “em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação.” [1]
Para fazer valer a nova norma, a Portaria menciona que o rompimento da relação de trabalho pela não apresentação do certificado de vacinação enseja o direito à reparação por dano moral e faculta ao empregado a reintegração ao emprego, ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento.
Em que pese a inexistência de competência do Ministério do Trabalho e Previdência para a fixação de danos morais e para estabelecer o direito à reintegração (a qual é função da lei, conforme preceitua a Constituição Federal), é certo que a Portaria governamental vem incendiar a discussão acerca da possibilidade do desligamento de empregados que se recusam a tomar a vacina contra a Covid-19, a qual está longe de ser pacificada.
Há poucas semanas, a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, declarou em entrevista que o empregado que se recusar a tomar a vacina contra Covid-19 poderá ter o contrato de trabalho rescindido, inclusive por justa causa, já que a recusa em tomar a vacina compromete o ambiente de trabalho [2].
Embora o tema seja precoce, já despontava entendimento majoritário nos Tribunais Regionais do Trabalho no sentido que é justificável a exigência do comprovante de vacinação contra a Covid-19, considerando-se a predominância do interesse da coletividade e do próprio empregador para que mantenha a atividade econômica e garanta ambiente de trabalho seguro a todos.
No mesmo sentido, o Ministério Público do Trabalho já havia publicado, em 28/01/2021, Estudo Técnico sobre a vacinação [3], no qual mencionava que “a estratégia de vacinação é uma ferramenta de ação coletiva, mas cuja efetividade só será alcançada com a adesão individual. A vontade individual, por sua vez, não pode se sobrepor ao interesse coletivo, sob pena de se colocar em risco não apenas o grupo de trabalhadores em contato direto com pessoas infectadas no meio ambiente do trabalho, mas toda a sociedade”. Após aprofundada fundamentação, o estudo concluiu que se houvesse recusa injustificada do empregado à vacinação, pode-se caracterizar ato faltoso, nos termos da legislação.
Some-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal decidiu, no final de 2020, no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) n.º 6586 e 6587, e do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) n.º 1267879, em que se discute a vacinação contra a Covid-19 e o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas, que é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina. [4]
Nesse cenário, a Portaria ministerial confirma a insegurança jurídica que as empresas enfrentam em meio às variadas consequências da atual pandemia, sendo muito provável que seja levada à apreciação do Poder Judiciário, para análise de sua adequação, ou não, à Constituição Federal, já que o Ministério do Trabalho ultrapassou os limites de sua competência.
*Priscila Schweter, especialista em Direito do Trabalho na Peluso, Stupp e Guaritá Advogados
NOTAS:
[1] Artigo 1º,§2º da Portaria 620/2021 MTP Fonte: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mtp-n-620-de-1-de-novembro-de-2021-356175059
[3] Documento: HTTPS://MPT.MP.BR/PGT/NOTICIAS/ESTUDO_TECNICO_DE_VACINACAO_GT_COVID_19_VERSAO_FINAL_28_DE_JANEIRO-SEM-MARCA-DAGUA-2.PDF PDF
[4] http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457462&ori=1