PGBR NA MÍDIA
Observações sobre a redução de jornada para pais com filhos com deficiência
Por Bianca Isabelle Lourenço de Sousa da Silva
Os trabalhadores que possuem filhos com deficiência, que necessitam de cuidados especiais, podem enfrentar dificuldades para conciliar sua jornada de trabalho com o cuidado de seus filhos, em razão da impossibilidade do acompanhamento adequado nos constantes tratamentos de saúde.
Em vista disso, houve um crescimento recente de demandas trabalhistas, nas quais os empregados buscam a flexibilização de suas jornadas de trabalho sem que haja a diminuição proporcional do salário, para que possam conciliar o trabalho com o tratamento de seus filhos.
O argumento é baseado na dificuldade de conciliação, o que configuraria óbice no tratamento e desenvolvimento da saúde de seus filhos, uma vez que não poderiam acompanhá-los de maneira adequada. Argumentam também que, caso houvesse a redução proporcional do salário, não conseguiriam arcar com os custos dos referidos tratamentos.
O tratamento de pessoas com deficiência, especialmente em fase infantil, comumente ocorre de forma contínua e muitas vezes acompanhado de uma equipe multidisciplinar. Nas demandas trabalhistas ajuizadas pleiteando a redução da jornada, os empregados demonstraram a necessidade do acompanhamento recorrente de seus filhos com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, entre outras áreas da saúde. Além disso, comprovam a necessidade desse acompanhamento por meio de artigos científicos.
Os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), bem como o Tribunal Superior do Trabalho (TST), têm decidido de forma favorável ao apelo dos genitores, determinando a redução da jornada sem prejuízo do salário, tampouco necessidade de compensação.
O entendimento é no sentido de que a medida se configuraria como uma adaptação razoável à vida da pessoa com deficiência, instituto disposto no artigo 2º do Decreto nº 6.949/2009, que ratificou a Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência.
A adaptação razoável se refere às adequações e modificações realizadas para evitar a desigualdade de oportunidades e garantir o acesso aos direitos fundamentais das pessoas com deficiência. Nos casos das demandas trabalhistas mencionadas, os tribunais entenderam que há necessidade de garantir aos filhos dos empregados o pleno direito à saúde e proteção à infância, bem como à igualdade de oportunidades.
Os tribunais salientaram o caráter de emenda constitucional da referida convenção internacional, haja vista se tratar de documento internacional de direitos humanos ratificado pelo Brasil, conforme determina o artigo 5º, §3º, da Constituição Federal. Ainda, ressaltaram que a referida medida visava a garantir os direitos fundamentais à saúde, à dignidade da pessoa humana, à proteção à infância, pelos filhos, e à proteção ao trabalhador, pelos empregados.
Foi adotada também a inteligência do artigo 227 da Constituição Federal, que determina o direito à saúde da criança e do adolescente, bem como a absoluta prioridade na garantia dos seus direitos, sendo um dever da família, da sociedade e do Estado.
No mesmo sentido, o TST reconhece a prioridade à garantida dos direitos fundamentais à pessoa com deficiência, estampado no artigo 8º da Lei nº 13.146/2015.
Oportuno destacar a tramitação do Projeto de Lei no Senado nº 110/2016, o qual propõe a inclusão do artigo 396-A na CLT, que prevê a redução de 10% da jornada do empregado que possuir a guarda de filhos com deficiência.
A interpretação dos tribunais ainda não é pautada em lei específica quanto a essa possibilidade de flexibilização da jornada, o que faz com que muitos empregados ainda acionem o Poder Judiciário para solucionar a questão.
Ressalta-se, também, que por se tratar de matéria que se submete ao crivo do Poder Judiciário, mostra-se necessária a comprovação robusta de que os filhos dos empregados possuam necessidade de cuidados especiais, bem como estejam em tratamento contínuo que prejudique a jornada comum do empregado, como laudos médicos que discriminem a situação.
O que se verifica das demandas ajuizadas é uma evolução da aplicação dos princípios constitucionais, bem como a efetiva aplicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, por parte dos tribunais, na proteção à pessoa com deficiência, garantindo maior acessibilidade a essa parcela da população.
Bianca Isabelle Lourenço de Sousa da Silva é advogada da equipe de Direito do Trabalho do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 17 de dezembro de 2021
https://www.conjur.com.br/2021-dez-17/opiniao-reducao-jornada-pais-filhos-deficiencia