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PGBR NA MÍDIA

27 de julho de 2018

O apressado fim da desoneração da folha e sua inconstitucionalidade

Por Leonardo Farias Florentino

27/07/2018 06:13

 

Crédito: Pixabay

 

O reequilíbrio das contas públicas é o principal mote do governo federal e sustentou quase todas as medidas impopulares de reforma que a atual administração tentou implementar, com exceção, talvez, da reforma trabalhista.

 

Amparada nesse ideal de reequilíbrio das finanças estatais, foi publicada em 30 de maio último a Lei nº 13.670, que, dentre várias inovações, trouxe a extinção do regime fiscal popularmente conhecido como “desoneração da folha de pagamento”.

 

Esse benefício foi criado em 2011 pela Lei nº 12.546 e oferece aos contribuintes de vários setores a possibilidade de recolher suas contribuições previdenciárias sobre a receita bruta, calculadas por alíquotas que variam de 1% a 4,5%, dependendo da atividade econômica, ao invés de 20% sobre o total da folha de pagamento. Esse benefício, conhecido pela sigla CPRB (Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta), foi uma tentativa de baratear os custos de contratação de empregados com carteira assinada e tinha por objetivo aumentar a oferta de vagas de emprego formal.

 

Há muita discussão sobre a amplitude do efeito desse benefício ou mesmo se esse efeito de fato foi alcançado, mas, independentemente disso, o governo federal já estava decidido a sacrificar a desoneração da folha no altar do equilíbrio das contas públicas desde o ano passado, quando tentou extingui-lo para vários setores econômicos com a Medida Provisória nº 774 de março de 2017, que teve vida curta e foi revogada pela Medida Provisória nº 794.

 

Com a Lei nº 13.670/18, o governo voltou à carga e a desoneração da folha foi extinta novamente. A diferença é que dessa vez a extinção vem justificada pela necessidade de compensar o corte da CIDE e do PIS/COFINS sobre o diesel, medida de todos conhecida e que foi tomada às pressas para atender às reivindicações dos caminhoneiros que pararam o País nas duas últimas semanas de maio, numa mobilização sem precedentes.

 

O fim da desoneração da folha, na forma proposta pela Lei nº 13.670/18, nos parece problemático. Em primeiro lugar porque privilegiou alguns setores, como o de tecnologia da informação e comunicação, empresas jornalísticas e de radiodifusão, transporte rodoviário de cargas etc., que só voltarão a contribuir sobre a folha em 2021; ao passo que para outros setores, como os de transporte ferroviário de cargas, transporte aéreo e marítimo, manutenção e reparação de aeronaves e embarcações, setor hoteleiro etc., o regime de desoneração da folha de salários acaba em setembro de 2018.

 

Sim, esses setores foram duplamente desprestigiados pelo governo federal, pois não só terão menos tempo para se preparar para voltar a pagar suas contribuições previdenciárias calculadas sobre a folha de salários, mas, na verdade, sequer poderão acabar o ano de 2018 recolhendo sobre a receita.

 

E esse ponto é o que nos parece mais grave, pois a Lei nº 12.546/11 dispõe que a opção pela desoneração da folha, feita em 20 de fevereiro, quando a empresa recolhe a contribuição sobre a receita atinente à competência de janeiro, vai valer para todo o ano-calendário.

 

Ao estabelecer essa regra, o governo federal cria uma expectativa nas empresas de que esse regime irá valer pelo resto do ano e que somente poderá vir a ser modificado em 2019, de maneira que, por uma questão de boa-fé para com os contribuintes, não poderia simplesmente desconsiderar  essa expectativa, promulgando a Lei nº 13.670/18 e extinguindo o benefício já em 2018.

 

E nem se diga que a extinção do benefício é legal por força do art. 195, § 6º, da Constituição Federal, que autoriza a cobrança da contribuição no mesmo ano de publicação da lei   que a aumenta, em  exceção à regra da anterioridade, posta no art. 150, III, b’, da Constituição Federal. A questão não é essa, pois o governo federal poderia ter, por exemplo, aumentado a alíquota da contribuição sobre a receita bruta. O que ele não poderia ter feito era realizar  esse aumento por meio da extinção abrupta do sistema de contribuição sobre a receita, cuja validade anual estava e ainda está expressa na Lei nº 12.546/11, em seu art. 9º, § 13.

 

Em suma, o governo federal mais uma vez frustrou as expectativas dos contribuintes com o fim prematuro da desoneração da folha. Medida esta que é manifestamente injusta encontraria a mais básica definição de segurança jurídica que se pode encontrar no ordenamento jurídico brasileiro, posta no inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal.

 

Essa norma constitucional protege três institutos jurídicos imprescindíveis a qualquer sociedade democrática e garante que todos nós cidadãos brasileiros poderemos planejar nossos negócios e não veremos nossas expectativas frustradas por um capricho governamental qualquer: a coisa julgada; o direito adquirido; e o ato jurídico perfeito. Ou seja, a lei nova não tem o poder de simplesmente modificar  desmanchar os compromissos  firmados entre os cidadãos e o Poder Público na forma da lei anterior, como se o direito nunca tivesse existido ou os pactos não tivessem sido estabelecidos.

 

O fim da desoneração, na forma da Lei nº 13.670/18, viola o “ato jurídico perfeito” equivalente à opção dos contribuintes pelo regime de contribuição sobre a receita bruta, ao invés da folha de pagamento. Afinal, no momento em que os contribuintes optaram, em fevereiro, por recolher suas contribuições previdenciárias por  todo o ano de   2018 na forma da Lei nº 12.546/11, estavam firmando um pacto com o governo federal e este não pode agora voltar atrás e fingir que este compromisso nunca existiu.

 

Ao fim e ao cabo, o fim da desoneração tal qual previsto na Lei nº 13.670/18 só obrigará os setores prejudicados a socorrer-se do Poder Judiciário para garantir que a vigência do sistema seja respeitada até 2019, e não trará nenhum aumento de arrecadação imediato.

 

LEONARDO FARIAS FLORENTINO – Advogado tributarista do Peluso, Stüpp e Guaritá Advogados