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PGBR NA MÍDIA

5 de abril de 2024

Na pauta de gênero, empresas discutem igualdade de salário

A Lei nº 14.611/2023, conhecida como Lei da Igualdade Salarial, foi vista por muitos especialistas como um marco na luta contra a desigualdade de gênero no Brasil

Por Suzana Liskauskas — Para o Prática ESG, Do Rio

A sanção em julho da Lei nº 14.611/2023, conhecida como Lei da Igualdade Salarial, foi vista por muitos especialistas como um marco na luta contra a desigualdade de gênero no Brasil. Mas, a exigência de publicação duas vezes ao ano de valores e critérios de remuneração de funcionários, tirou da zona de conforto lideranças de empresas.

“Anteriormente à publicação da lei, quando eu abordava o tema de equidade salarial, em mais de 90% das empresas, a resposta era: ‘isso não é um desafio para nós’. Porém, quando eu sugeria analisar os números, não havia predisposição para expor métricas e discutir o tema com profundidade”, diz Margareth Goldenberg, CEO na Goldenberg Diversidade e gestora Executiva do Movimento Mulher 360.

O prazo para envio do primeiro Relatório de Transparência Salarial de Critérios Remuneratórios das companhias terminou em 31 de março e seu descumprimento está sujeito a multa e sanções. “Tenho falado com lideranças nos fins de semana e até nas madrugadas. Só esse efeito da lei já é muito positivo, porque conseguimos que as empresas passem a olhar os dados. A única forma de detectar a existência de problemas é mapear e verificar os indicadores”, afirma.

Sob a ótica do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), a Lei 14.611 avança ao exigir das empresas a transparência de informações e promover discussões. O próprio Ministério reconhece que, embora a igualdade salarial entre mulheres e homens esteja prevista desde 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na prática, ela não vem sendo cumprida.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílio (Pnad) indicam recorde histórico de ocupação feminina em 2023. No ano passado, cerca de 43,3 milhões de mulheres estavam trabalhando, enquanto, em 2022, eram 42,6 milhões. No entanto, os homens continuam sendo maioria nos cargos de “direção e gerência”.

Essa disparidade fica ainda mais clara no 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, divulgado no fim de março pelo MTE e Ministério das Mulheres. O documento expõe que, em média, a remuneração das mulheres é 19,4% menor que a dos homens. A discrepância aumenta para 25,2%, quando são analisados cargos de dirigentes e gerentes.

“Uma coisa é diferença salarial média de grupos, outra é quando os valores diferem porque homens e mulheres desempenham funções diversas, têm níveis diferentes de experiência e outros fatores que explicam essa diferença”, comenta Goldenberg.

A consultora orientou os clientes a fazer essas distinções qualitativas na aba complementar do relatório, descrevendo plano de cargos e salários e quais são os indicadores que levam à diferença. “A diferença salarial que não se explica por todas essas variáveis legítimas poderá ser atribuída à inequidade salarial, por gênero, raça, etnia. O foco da fiscalização do MTE é detectar e corrigir essa diferença inexplicável”, explica.

Para Fernanda Garcez, sócia e responsável pela área trabalhista do Abe Advogados, a 14.611 é relevante porque pode cobrir a ineficiência do artigo 461 da CLT, que estabelece requisitos objetivos para equiparação salarial.

“A lei traz um escopo maior que o art. 461, cria mecanismos de transparência salarial, incrementa a fiscalização, estabelece canais específicos de denúncia e promove a implantação de programas de diversidade. É uma pressão, de fato, para que a sociedade olhe de frente para a desigualdade”, diz.

Ela cita que exigir a divulgação da remuneração em mídias sociais, sites e aos empregados contribui ao debate. Porém, Garcez lembra que, é preciso tratar também a falta de mulheres em cargos de liderança.

Apesar de comemorada por alguns, a pressão pela divulgação de remuneração desencadeou ações judiciais movidas por associações de classe e sindicatos que buscam garantir às empresas o direito de não publicar os relatórios. Entre as alegações, está a violação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LPGD).

Para especialistas, é questionável esse argumento, uma vez que o formato do relatório não discrimina salários por cargos, o que poderia levar à exposição de informações sensíveis sobre, por exemplo, pagamento de lideranças em empresas menores. O que é pedido no texto, na verdade, é que a empresa faça um agregado geral de remuneração média de homens  e outro da de mulheres.

“Houve uma comoção sobre a possibilidade de esses relatórios ferirem a LGPD, mas a lei foi muito cuidadosa. No modelo do relatório, não há ofensas à LGPD, porque o foco está em grupos e não na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Não tenho como identificar pessoas olhando para os relatórios, que trazem uma média salarial de homens e outra de mulheres”, detalha Garcez.

Em março, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC) levaram a discussão ao Supremo Tribunal Federal (STF). O assunto ainda está em análise pelo relator, o ministro Alexandre de Moraes. Segundo as entidades, há o temor da aplicação de penalidades sem que haja prazo para corrigir eventuais erros de inclusão de informação no eSocial.

Mas essa alegação é frágil, segundo Goldenberg, porque o MTE está aberto ao diálogo e tem mostrado predisposição a discutir inúmeras dúvidas e questões trazidas pelas empresas. “Fizemos várias oficinas para tirar dúvidas junto com o MTE. Impetrar ações não é o caminho. No Ministério, há o reconhecimento de que os processos podem melhorar e estão abertos ao diálogo”, afirma Goldenberg.

Para Maíra Liguori, diretora da Think Eva, consultoria especialista em equidade e gênero no mercado corporativo, as empresas deveriam estar direcionando os esforços para cumprir a lei e não derrubá-la. A argumentação das empresas que moveram ações vai contra a implementação das políticas que possam garantir a igualdade salarial de fato.

“No cerne da discussão, temos questões como a economia do cuidado e a maternidade, como pedágios que trazem essa desvalorização do trabalho da mulher”, diz.

Priscila Schweter, advogada trabalhista do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, ressalta que a 14.611 identifica distorções nas empresas e traz diretrizes para mitigar o problema, mas acredita que há legitimidade dos pleitos feitos pelas confederações. “No meu entendimento, as discussões que estão ocorrendo agora deveriam ter sido feitas anteriormente à sanção da Lei”, diz.

https://valor.globo.com/empresas/esg/noticia/2024/04/05/na-pauta-de-genero-empresas-discutem-igualdade-de-salario.ghtml