PGBR NA MÍDIA
Liminar permite à Liv Up identificar internauta racista
Empresa pode responsabilizar pessoas que fizeram comentários em vídeo publicitário no YouTube
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
30/11/2021
Eber de Meira Ferreira: decisões que liberam dados cadastrais são raras — Foto: Divulgação
A Liv Up, empresa do setor de alimentos saudáveis, obteve liminar na Justiça para tentar identificar usuários que fizeram comentários racistas, homofóbicos e de intolerância religiosa sobre vídeo publicitário divulgado por meio do YouTube. A decisão é da 37ª Vara Cível de São Paulo.
A liminar, já cumprida, obrigava o Google Brasil a fornecer os endereços de IP (Internet Protocol) e todos os dados cadastrais de perfis envolvidos para eventual responsabilização criminal e civil, como pedidos de indenizações. Além da chamada “porta lógica de origem”, para detectar com maior precisão qual usuário postou o comentário na rede social.
Com mais de dois milhões de visualizações, no vídeo publicado no canal da empresa há mais de um mês aparecem pessoas brancas, negras e um homem de bigode, vestido com roupas femininas, manuseando alimentos saudáveis, enquanto a propaganda diz “a vida é feita de escolhas. Que tal deixar a comida artificial para a loja de decoração”. Abaixo do vídeo, os usuários postaram os comentários.
Ao analisar o pedido, a juíza Adriana Cardoso dos Reis, da 37ª Vara Cível de São Paulo, deu o prazo de 15 dias para o Google Brasil fornecer as informações, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 5 mil.
Segundo a decisão, deveriam ser repassados dados cadastrais tais como filiação, endereço, nome, prenome, estado civil e profissão do usuário, além dos registros de criação, como data e hora do uso, bem como o respectivo endereço IP.
Ao conceder a liminar, a magistrada considerou que o risco ao resultado útil do processo decorre do prazo para a manutenção dos registros de acesso a aplicações de internet, que é de seis meses, segundo o artigo 15, do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), “de modo que há evidente risco de perda dos registros eletrônicos e dos dados cadastrais necessários à apuração da autoria dos fatos narrados na petição inicial”.
O Google Brasil recorreu da decisão. Como não conseguiu efeito suspensivo, entregou as informações em juízo, mas não apresentou as portas lógicas. As informações, contudo, só serão liberadas após sentença, caso seja favorável à empresa.
O advogado que assessora a Liv Up no processo, Eber de Meira Ferreira, do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, afirma serem raras as decisões que determinam ao Google fornecer os dados cadastrais dos ofensores. “Com esses dados a empresa pode ter mais elementos para a identificação dos autores das ofensas para uma eventual ação penal ou ou cível contra os responsáveis”, diz.
Para Ferreira, apesar do Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965, de 2014) prever que seja assegurada a preservação da intimidade, do sigilo e da confidencialidade dos usuários, também determina que essas informações sejam repassadas para a Justiça em casos de comentários homofóbicos, racistas, preconceituosos, para que haja uma eventual responsabilização – o que fica claro no artigo 22 da norma.
Esses pedidos judiciais, contudo, acrescenta o advogado, devem ser fundados com base nos incisos do mesmo artigo 22, em indícios da ocorrência do ilícito, na justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados e com a determinação do período ao qual se referem os registros.
Decisões como esta devem ficar cada vez mais frequentes, segundo Ferreira. “Até porque hoje vivemos num contexto de proliferação de fakenews e da utilização cada vez maior do ambiente virtual, que podem gerar mais ofensas pela internet”, diz.
De acordo com o advogado Marcelo Cárgano, que atua na área de proteção de dados e privacidade do escritório Abe Giovanini Advogados, o Marco Civil da Internet deu mais segurança para todas as partes envolvidas. Os provedores, afirma, não precisam fazer um controle prévio de todos os comentários postados, embora possam ter termos de uso para não admitirem conteúdos falsos ou preconceituosos.
“Os usuários estão protegidos pelo sigilo e privacidade. Contudo, a pessoa ofendida pode buscar o Judiciário para uma eventual reparação, o que deverá ser decidido caso a caso pelo juiz”, diz.
Procurado pelo Valor, o Google Brasil informou por nota que, no momento, prefere não comentar a decisão.