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19 de novembro de 2021

Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas: mais barulho do que efeito prático

Escrito por: Fernando Rogério Peluso, sócio do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados e Coordenador de Direito do Trabalho do Insper.

 

No dia 10/01, o Governo Federal editou o Decreto n.º 10.854, cujos dispositivos entrarão em vigor no próximo dia 10/12, exceto alguns itens específicos que passarão a vigorar em data posterior. O Decreto conta com 187 artigos, divididos em 18 Capítulos que tratam dos mais variados temas.

 

Muitos dos Capítulos, na verdade, trazem dispositivos a serem observados pela própria administração pública. Como é o caso do Capitulo I que regula o “Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infraconstitucionais”, ou mesmo o Capítulo II que criou o Prêmio Nacional Trabalhista.

 

Enquanto o primeiro estabelece as iniciativas a serem observadas de revisão, compilação e consolidação das normas trabalhistas, o segundo regulamenta a criação de prêmio de estimulo às pesquisas na área de Direito do Trabalho.

 

O Capítulo III, aí sim algo que guarda relação com as empresas, instituiu o livro de inspeção do trabalho eletrônico. A partir de agora em caso de fiscalização do Ministério do Trabalho, os departamentos de recursos humanos não precisam mais tirar da gaveta o livro de inspeção, porque foi criado o eLIT. As fiscalizações serão registradas por meio eletrônico, interligado com o e-social.

 

Os Capítulos IV e V são outros exemplos de regras que foram criadas de cunho direto ao Poder Público, porque o IV trata de questões a serem observadas quando da Fiscalização das Normas de Medicina e Segurança do Trabalho, e o V a respeito de revisão das Normas Regulamentadoras.

 

O Capítulo VI, que tem apenas um artigo e quatro incisos, trata da Certificação dos Equipamentos de Proteção Individual. Pode-se dizer que de novo trouxe apenas o fato que o certificado passa a ser eletrônico.

 

Um dos Capítulos mais comentados é o VII, que trata, em dois artigos, do Registro Eletrônico de Controle de Jornada. Na prática o que esse Capítulo trouxe de novo? Muito pouco, porque passou a permitir, sem necessidade de negociação coletiva, se utilizar de qualquer sistema eletrônico de ponto, como o caso de aplicativos de celular, desde que o sistema eletrônico siga as exigências de aprovação estabelecidas.

 

Já o Capítulo VIII regula questões internas do Ministério do Trabalho na hipótese de o órgão ser instado a realizar Mediação de conflitos, ou seja, a famosa “mesa redonda” de negociação. Aqui temos mais um exemplo de regras afetas ao próprio Poder Público.

 

Outro Capítulo que tem sido bastante comentado é o IX, que trata de regras para Empresas Prestadoras de Serviços a Terceiros. Os dois artigos que compõe esse Capítulo, na verdade, estabelecem o que é uma empresa prestadora de serviços, conceito mais do que conhecido, e trazem condições muito mais ligadas à fiscalização do Ministério do Trabalho.

 

Assim, por exemplo, não pode haver reconhecimento de vínculo de emprego direto entre um trabalhador da prestadora de serviços e o tomador de serviços, sem que sejam observados os requisitos de (i) não eventualidade; (ii) subordinação; (iii) onerosidade; e (iv) pessoalidade. Mas, o que há de novo nisso? Nada, afinal de contas desde sempre uma relação de emprego só pode ser estabelecida se estiverem presentes os requisitos do artigo 3º da CLT, quais sejam, os mesmos mencionados no Decreto em questão.

 

O que nos parece é que o Governo Federal se valeu desse Capítulo muito mais para “lembrar” a fiscalização do Ministério do Trabalho que as regras devem ser observadas, e muito menos com a ideia de criar novas condições.

 

Esse conceito de aglutinar regras em um só Decreto está visível nos Capítulos X– Trabalho Temporário, XI- Gratificação de Natal, XII- Trabalho Rural, que na verdade são cópias ipsis litteris de outros Decretos existentes a respeito das questões.

 

O Capítulo XIII trata do Vale Transporte, e apesar de, em tese, não trazer nada relevante de novo, porque novamente apenas transcreve as mesmas regras que já haviam, contém artigo que autoriza a não concessão do vale transporte quando o empregador fornece outros meios de locação dos empregados no trajeto casa-trabalho-casa. Na prática, a regra traz o óbvio (se o empregado utiliza, por exemplo, ônibus fretado do empregador) e, por isso, nada de novo, mas teoricamente trouxe uma regulamentação expressa que não existia em outros Decretos.

 

Aí voltamos a mais um Capítulo que se resume a copiar regulamentações anteriores. Estamos tratando do Capítulo XIV, que aborda a Empresa Cidadã. Os seis artigos desse Capítulo não trazem novidades.

 

Finalmente, no Capítulo XV, acerca de Trabalhadores Contratados ou Transferidos para Prestar Serviços no Exterior, ou seja, regulamenta a Lei n.º 7.064/82. Aqui sim temos algo relevante e que merece estudo pormenorizado, porque o Decreto permite, em seu artigo 146, uma espécie de compensação entre eventual indenização rescisória prevista em legislação estrangeira com a multa de 40% do FGTS prevista na legislação brasileira.

 

Para que essa espécie de compensação ocorra dever-se-á seguir uma série de procedimentos, como, ter toda a documentação comprobatória em tradução juramentada. E justamente por esses entraves burocráticos será necessário se aguardar para vermos se a medida criada terá ou não efetividade prática.

 

Chegamos aos três últimos Capítulos, que tratam, respetivamente, XVI– Descanso Semanal Remunerado; XVII– RAIS; e XVIII– Programa de Alimentação ao Trabalho. Mais uma vez, estamos basicamente diante de cópias de outros dispositivos que já regulamentavam as questões, e não diante propriamente de novidades.

 

Por todo o exposto, verificamos que na prática o Decreto n.º 10.854, cujos dispositivos entrarão, em sua maioria, em vigor no próximo dia 10/12, na verdade cumpriu muito bem a proposta de aglutinar em um só Decreto as questões pertinentes a vários assuntos de natureza trabalhista. Em contrapartida, quando olhamos o Decreto sob o ponto de vista de novidade legislativa, percebemos que fez mais barulho do que trouxe novidades.

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