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As mudanças provisórias da MP nº 1.108
Escrito por: Leticia Cordeiro, advogada do Peluso, Stupp e Guaritá Advogados
Com as adversidades impostas pela pandemia, a forma de trabalho teve de se adaptar, e ainda que a CLT, por meio da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), tenha regulamentado o teletrabalho, muitas dificuldades e necessidades surgiram quando milhares de trabalhadores passaram para o sistema de trabalho remoto.
Diante deste novo cenário, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) nº 1.108, com validade de 120 dias a partir da data publicação, ocorrida em 28 de março de 2022, o que significa que sua validade terminará em 25 de julho de 2022, salvo se for convertida em lei.
A MP essencialmente trata de duas questões, a saber: (i) concessão do auxílio-alimentação; e (ii) trabalho remoto.
No que se refere ao auxílio-alimentação, desde logo é importante lembrar que o artigo 457 da CLT estabelece que a parcela não possui natureza de salário, desde que não seja concedida em dinheiro. Agora a MP trouxe mais uma regulamentação, ao dispor que o auxílio-alimentação deve ser utilizado “exclusivamente para o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais”.
A MP regulou o óbvio, já que o auxílio-alimentação não pode, e nunca pôde, ter outra finalidade que não seja a alimentação do trabalhador. Se tivesse outra finalidade, estaríamos diante de fraude e, portanto, haveria o risco de caracterização de natureza salarial da parcela, o que ensejaria reflexos no FGTS, 13º salário, férias e recolhimentos previdenciários.
É verdade que no Brasil, muitas vezes, o óbvio precisa ser regulado, para deixar claro o que é ou não possível de ser feito. Tanto assim que a MP nº 1.108 dispõe ainda que a concessão do auxílio-alimentação de forma incorreta gera incidência de multa mínima de R$ 5.000,00 e máxima de R$ 50.000,00, podendo até ter seu valor dobrado em determinadas situações.
O segundo ponto tratado na MP diz respeito ao trabalho remoto, e aqui a MP trouxe realmente novidades.
Importante lembrarmos, desde logo, que, até agora, a CLT regulamentava apenas e tão somente a figura do teletrabalho, assim considerado o trabalho, com uso de tecnologias de informação e comunicação, preponderantemente fora das dependências do empregador.
Além disso, a CLT estabelecia que os empregados em sistema de teletrabalho estavam isentos de controle de horário. E aqui a MP trouxe uma novidade importante ao estabelecer que a isenção do controle de horário passa a ser aplicável, apenas e tão somente, aos empregados que trabalhem por produção ou tarefa; logo, durante a vigência da MP passa a ser obrigatório o controle de jornada de trabalho dos empregados em geral que estejam em regime de trabalho híbrido.
Ainda como novidade, a MP criou a figura do “trabalho remoto” e o equiparou ao teletrabalho, que como visto já era regulado pela CLT. Assim, a MP alterou a redação do artigo 75-B da CLT, que passa a dispor:
“Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.”
A partir de agora – e enquanto durar a vigência da MP – as regras do artigo 75-B e seguintes da CLT são aplicáveis, independentemente da quantidade de dias que o trabalhador execute as atividades longe das dependências do empregador. Assim, por exemplo, o trabalho remoto também deverá ter previsão no contrato de trabalho.
Mas, além de equiparar o trabalho remoto ao teletrabalho, a MP trouxe outras valiosas novidades a respeito da questão. A primeira delas é que o sistema híbrido de trabalho poderá ser adotado para aprendizes e estagiários, e deverão ser prioritariamente conferidos a empregados com deficiência e empregados que possuam filho ou criança sob guarda de até 4 anos de idade.
Além disso, a MP pacificou uma celeuma que cercava os debates jurídicos acerca do teletrabalho, qual seja, a aplicação das normas e condições previstas em convenção coletiva de trabalho. A MP regulou que se aplicam as convenções e acordos coletivos “relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado”.
Estipulou também que deve ser observada a legislação trabalhista brasileira, salvo negociação em sentido contrário, no caso de o empregado admitido no Brasil optar pela realização das atividades fora do territorial nacional, bem como que cabe ao empregado as despesas que incorrer no caso de retorno às atividades presenciais.
Diante disso, percebemos que a MP trouxe uma série de novidades, algumas óbvias e outras nem tanto. Agora o ponto é saber se as regras trazidas pela MP terão vigência de apenas 120 dias, ou seja, cairão em 25 de julho de 2022, ou se serão convertidas em lei, de modo que passem definitivamente ao arcabouço jurídico brasileiro.