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9 de abril de 2020

A Responsabilização do Ente Público pela Suspensão dos Contratos de Trabalho – Edição 04 – Abril/2020

Nos últimos dias, circulou vídeo do Presidente Bolsonaro dizendo que a Consolidação da Leis do Trabalho (CLT) teria um dispositivo que os Estados e os Municípios, que decretaram a suspensão temporária das atividades, seriam responsáveis pelos “encargos trabalhistas” daí decorrentes.

 

O primeiro aspecto importante, é trazer esta fala do Presidente Bolsonaro para o mundo jurídico. Ele fez menção ao artigo 486, que foi incluído na CLT pela Lei n.º 1.530, de 26/12/1951. Tal dispositivo trata do “Factum Principis” o qual dispõe:

 

“No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

 

1º- Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria.

 

2º- Sempre que a parte interessada, firmada em documento hábil, invocar defesa baseada na disposição deste artigo e indicar qual o juiz competente, será ouvida a parte contrária, para, dentro de 3 (três) dias, falar sobre essa alegação.

 

3º- Verificada qual a autoridade responsável, a Junta de Conciliação ou Juiz dar- se-á por incompetente, remetendo os autos ao Juiz Privativo da Fazenda, perante o qual correrá o feito nos termos previstos no processo comum.”

 

Da leitura do artigo acima mencionado, percebe-se que, diferentemente  do que leva a crer a fala do Presidente Bolsonaro, o ente público teria obrigação de indenizar, apenas e tão somente, os prejuízos decorrentes  em  caso  de rescisão de contrato de trabalho.

 

Se a fala do Presidente Bolsonaro estivesse de acordo com a legislação, o que se repita não está, o ente público seria responsável em custear os gastos com toda e qualquer medida que os empregadores vêm tomando, durante o período de suspensão das atividades, para a manutenção dos contratos de trabalho, tais como as licenças remuneradas, as férias individuas, as férias coletivas, o home office, as perdas de horas trabalhadas e lançadas em banco de horas.

 

No entanto, o ponto principal a ser analisado é se a determinação dos Estados e dos Municípios em suspender as atividades temporariamente em decorrência da COVID-19 se enquadraria no dispositivo acima mencionado.

 

Em nosso entendimento, uma análise superficial levaria a conclusão que sim, afinal houve “(…) paralização temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade (…)”; mas nos parece que a situação do COVID-19 não se enquadraria na hipótese.

 

Isso porque, o dispositivo trata do caso de suspensão temporária ou definitiva do trabalho por ato de responsabilidade direta do ente público, o que não ocorreu na COVID-19 (o texto da lei menciona “(…) a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho (…)”). Essa responsabilidade direta ocorre como na desapropriação de um terreno, na interrupção de um contrato de licitação, na mudança de zoneamento de um bairro, etc.

 

Em tais hipóteses, um ato de vontade direta do ente público gera efeitos sobre terceiros. Se este ato gerar prejuízo, no caso a algum empregador, o ente público tem o dever, assim como qualquer particular que gera prejuízo a terceiros, de indenizar. Essa obrigação está prevista no artigo 486 da CLT, como inclusive constatamos em inúmeras decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho e também do Tribunal Superior do Trabalho.

 

No caso da COVID-19 temos uma situação de força maior – pandemia reconhecida– e o ente público se viu obrigado a decretar a suspensão temporária das atividades para minimizar os efeitos da própria força maior, ou seja, o ato de suspenção temporária foi consequência de uma situação (força maior). Portanto, não se trata de um ato que os Estados e os Municípios tenham responsabilidade direta, como no caso de uma determinação de desapropriação de um terreno.

 

Por se tratar de força maior, o ente público, assim como qualquer particular, não pode ser responsabilizado, já que se trata de uma das hipóteses de excludente de responsabilidade (artigo 393 do Código  Civil: “O devedor não  responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir.”).

 

Diante desse cenário, nos parece que, diferentemente do sustentado pelo Presidente Bolsonaro, os Estados e os Municípios que decretaram  a suspensão temporária das atividades empresariais não podem ser responsabilizados a indenizar as despesas decorrentes de rescisões de contratos de trabalho no caso da pandemia decorrente da COVID-19, por não se enquadrar no artigo 486 da CLT, e sim ato consequente de uma situação de força maior.

 

 

Peluso, Stupp e Guaritá Advogados

Avenida Angélica, nº 2.582, 8º andar

CEP 01228-200 – Consolação, São Paulo/SP

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