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PGBR NA MÍDIA

17 de setembro de 2021

Funrural sobre as receitas decorrentes de exportação: ADI 4.735/DF e RE 759.244/SP

17 de setembro de 2021

 

Por Fábio Pallaretti Calcini, Marcelo Guaritá Borges Bento e Taís Mascarenhas Bittencourt

 

Neste artigo pretendemos tratar de questão relevante para o Funrural e RAT no tocante às exportações e à imunidade tributária.

 

Prevê o artigo 149 da Carta Magna quanto à imunidade e as receitas decorrentes de exportação para as contribuições tal como o Funrural:

 

“Artigo 149  Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, §6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(…)
§2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

 não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”.

 

Para o que interessa a este estudo e às reflexões que este propõe, entre as contribuições sociais abarcadas pelo citado dispositivo constitucional e pelo artigo 195 da CF/88, no plano legal, este limitar-se-á a tratar daquelas regidas atualmente pela Lei n° 8.212/91 — nosso foco serão as contribuições previdenciárias substitutivas àquelas previstas nos incisos I e II do artigo 22 da citada lei, incidentes sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural (conhecidas como Funrural), as quais se encontram insculpidas nos artigos 22-A e 25 do mesmo diploma legal.

 

Pois bem. Ao examinar, brevemente, os dispositivos constitucionais e legais supramencionados, em especial o artigo 149, §2º, I, da CF/88 e os artigos 22-A e 25 da Lei nº 8.212/91, a conclusão natural e que se alcança é a de que não incidem as contribuições em tela sobre a parcela das receitas de venda da produção rural ao exterior.

 

No entanto, a despeito da aparente clareza do tema, tais disposições foram alvo não apenas de questionamentos quanto ao seu alcance, como também de patente inconstitucionalidade perpetrada pela Receita Federal, que, através dos §§1º e 2º do artigo 170 da IN RFB nº 971/09, extrapolou os contornos constitucionais da norma imunizante [1] e a afastou, de forma textual, para as receitas decorrentes de operações indiretas, viabilizadas por meio de empresas comerciais exportadoras ou de tradings companies, razão pela qual o debate chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio da ADI n ° 4.735/DF e do RE 759.244, com repercussão geral reconhecida (Tema 674).

 

Como é de conhecimento, o STF reconheceu que a imunidade conferida pelo artigo 149, §2º, I, da CF/88 alcança também as receitas decorrentes de exportações indiretas, além disso, declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 2º e 3º do artigo 170, IN 971/2009, em linhas gerais, com base nos seguintes fundamentos:

 

“(…) 3  A imunidade visa a desonerar transações comerciais de venda de mercadorias para o exterior, de modo a tornar mais competitivos os produtos nacionais, contribuindo para geração de divisas, o fortalecimento da economia, a diminuição das desigualdades e o desenvolvimento nacional.
 A imunidade também deve abarcar as exportações indiretas, em que aquisições domésticas de mercadorias são realizadas por sociedades comerciais com a finalidade específica de destiná-las à exportação, cenário em que se qualificam como operações-meio, integrando, em sua essência, a própria exportação [2].
***

O melhor discernimento acerca do alcance da imunidade tributária nas exportações indiretas se realiza a partir da compreensão da natureza objetiva da imunidade, que está a indicar que imune não é o contribuinte, ‘mas sim o bem quando exportado’, portanto, irrelevante se promovida exportação direta ou indireta.

A imunidade tributária prevista no artigo149, §2º, I, da Constituição, alcança a operação de exportação indireta realizada por trading companies, portanto, imune ao previsto no artigo22-A, da Lei n° 8.212/1991.

 A jurisprudência deste STF (RE 627.815, Pleno, DJe1º/10/2013 e RE 606.107, DjE 25/11/2013, ambos relatora ministra Rosa Weber,) prestigia o fomento à exportação mediante uma série de desonerações tributárias que conduzem a conclusão da inconstitucionalidade dos §§1º e 2º, dos artigos245 da IN 3/2005 e 170 da IN 971/2009, haja vista que a restrição imposta pela Administração Tributária não ostenta guarida perante à linha jurisprudencial desta Suprema Corte em relação à imunidade tributária prevista no artigo149, §2º, I, da Constituição.

 Fixação de tese de julgamento para os fins da sistemática da repercussão geral: ‘A norma imunizante contida no inciso I do §2º do artigo149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação de sociedade exportadora intermediária” [3].

 

Em ambos os julgamentos, o Pleno do STF reforça o cabimento de uma hermenêutica constitucional ampla às imunidades tributárias, sobretudo finalística, a fim de viabilizar máxima efetividade à norma constitucional, razão pela qual invocou o ministro Alexandre de Moraes, assim como também o fez o ministro Fachin, o RE nº 627/815 [4], julgado com repercussão geral (Tema 329).

 

Referido decisum — tido como ratio decidendi dos recentes precedentes aqui tratados —, numa interpretação teleológica do dispositivo constitucional em foco (artigo 149, §2º, I, da CF), como sintetizamos em outra oportunidade [5], considerou abarcado pela imunidade não somente a venda em si da mercadoria, mas a variação cambial, que seria outra receita, de natureza financeira, todavia, como tem relação com o ato de exportartambém impediria a tributação.

 

Nessa senda, a conclusão fundamental que se depreende das decisões prolatadas na ADI e no RE aqui tratados é a de que o benefício alcança não apenas os exportadores, mas também “todos quantos contribuem para que a exportação se verifique”; a regra não visa a proteger apenas a pessoa do exportador, mas as exportações, “fazendo com que os produtos cheguem ao mercado internacional com preços competitivos”; a interpretação teleológica permite concluir que a imunidade “há de obrigatoriamente abranger todas as operações que, de algum modo, concorram para que se perfaça a venda, para o exterior” [6].

 

Observa-se, assim, que embora o cerne da discussão, sobretudo do RE, gire em torno da (in)exigibilidade das contribuições previdenciárias positivadas no artigo 22-A da Lei n° 8.212/91 sobre as receitas decorrentes de operações de exportação indireta, os seus termos revelam-se claros o suficiente para afastar, em tais circunstâncias, também a cobrança do Funrural de que trata o artigo 25 da Lei n° 8.212/91, em relação à qual a empresa exportadora ou trading sub-rogar-se-ia na obrigação do produtor rural PF e do segurado especial se porventura não restasse afastada a restrição imposta pelos já citados §§1º e 2º IN RFB nº 971/09.

 

Tanto é assim que a própria Receita Federal editou a IN RFB nº 1.975/20 revogando os aludidos dispositivos da IN 971/09, sem qualquer tentativa de imposição de novas ressalvas ou limitações.

 

Vê-se, pois, que não cabe mais se cogitar a tributação das receitas das produções rurais das agroindústrias, dos produtores rurais e dos segurados especiais quando estas circularem no mercado interno com a finalidade específica de destiná-las à exportação, sejam elas receitas de exportações diretas ou indiretas.

 

Feitos esses registros, levando-se em conta que a hermenêutica jurídica naturalmente abre um leque imenso de possibilidades, e, assim, partindo para uma reflexão mais apurada sobre algumas situações fáticas possíveis nas relações comerciais do agronegócio, nos parece oportuno indagar se a imunidade de que ora se trata — avaliada recentemente pelos ministros da Suprema Corte nos referidos leading cases — alcança também o Funrural (artigo 25 da Lei nº 8.212/91) nas situações em que uma empresa comercial exportadora, adquire a produção rural do empregador rural ou do segurado especial e a submete a alguns processos prévios à exportação (tais como, secagem, limpeza, seleção, classificação, acondicionamento e embalagem) [7].

 

Pois bem. De partida, cumpre registrar que seria temerário afirmar que tal situação seria fática e juridicamente idêntica à posta à apreciação na ADI n° 4735/DF e no RE n° 759.244/SP e/ou que suas particularidades foram efetivamente enfrentadas pelo Supremo, porque, de fato, não são, e não foram.

 

A despeito disso, não se pode desprezar fundamentos jurídicos basilares extraídos das decisões prolatadas, em especial os termos do voto do ministro Edson Fachin, de que “as aquisições domésticas não podem ser entendidas como um fim em si mesmas, mas como operações-meio das vendas ao mercado externo”, e, portanto, parte integrante de uma única operação dirigida ao exterior.

 

Outrossim, cabe ainda levar-se em conta que, diante de um contexto global em que as operações de exportação demandam um altíssimo grau de especialização e de exigências normativas e técnicas impostas pelo mercado internacional, revela-se praticamente inviável, do ponto de vista prático, o seu alcance imediato para a maior parte dos produtores rurais, notadamente para os de pequeno porte, que, em sua grande maioria, não contam sequer com uma estrutura mínima para viabilizar a apresentação dos seus produtos a um possível escoamento ao mercado externo.

 

Logo, não há como se afastar a interpretação teleológica e sistemática da imunidade para as situações fáticas acima conjecturadas, sob pena de se incorrer na transgressão de princípios fundamentais, tais quais:

 

a) O da isonomia tributária (artigo 150, II, da CF/88), na medida em que estar-se-á conferindo tratamento fiscal privilegiado aos grandes produtores que possuem o know-how e a estrutura organizacional para atender às múltiplas exigências do mercado consumidor externo; e

 

b) O da capacidade contributiva (artigo 145, da CF/88), ao restringir a aplicação prática da imunidade aos contribuintes com maior poder de riqueza, já que serão eles os únicos capazes de sozinhos, sem qualquer tipo de intervenção ou melhoramento na apresentação dos produtos rurais vendê-los ao mercado internacional.

 

Cabe, ademais, sustentar que as aquisições internas de produtos rurais sujeitos a prévio beneficiamento, para posterior venda ao exterior, integram, na essência, a própria exportação, de modo a atrair o reconhecimento da imunidade em nome do já proclamado objetivo da norma constitucional de alcançar toda a cadeia produtiva, evitando com isso exportar tributos e viabilizando uma melhor competitividade do país no mercado internacional.

 

Em perfeita convergência com o raciocínio defendido, assinalou o ministro Alexandre de Moraes que o “escopo da imunidade prevista no artigo 149, §2º, I, da CF é a desoneração da carga tributária sobre transações comerciais que envolvam a venda para o exterior, evitando-se a indesejada exportação de tributos, de modo a tornar mais competitivos os produtos nacionais, contribuindo para geração de divisas e o desenvolvimento nacional” [8].

 

Nota-se, pois, que tais fundamentos, extraídos das recentes manifestações da Suprema Corte, cabem ser invocados a qualquer das situações acima aventadas, muito embora as particularidades fáticas da segunda hipótese (de transformação do produto em outro, ao menos de acordo com a classificação nacional para fins fiscais), por si só, levem a acreditar num prognóstico mais otimista para a primeiramente suscitada.

 

Isso porque, na hipótese descrita, em que pesem os produtos rurais adquiridos também demandem e passem efetivamente por alguns procedimentos prévios à exportação — até para alcançar a padronização que normalmente é exigida pelo mercado consumidor estrangeiro —, nenhum deles sofre alteração substancial na sua essência, nem na sua classificação.

 

Assim é que, à primeira vista, nos parece ser mais fácil sustentar, nessa situação, a aplicação do entendimento do Supremo quanto à extensão da imunidade concedida à exportação para toda a cadeia produtiva da mercadoria exportada por meio da adoção do critério finalístico de interpretação, voltado à exoneração fiscal do produto nacional que se ponha ao mercado externo como meio para torná-lo competitivo.

 

É necessário, por sua vez, salientar que mesmo a linha argumentativa proposta requer o comprometimento do adquirente/exportador em se munir de elementos capazes de comprovar que os produtos rurais adquiridos, embora tenham sido submetidos a determinados processos prévios, como forma de viabilizar uma apresentação compatível com a imposta pelo mercado estrangeiro, nenhum deles os desnaturou, nem alterou as suas respectivas NCM.

 

Como se pode ver, revela-se prudente que os contribuintes que eventualmente se encartem na hipótese acima aventada — ou mesmo em outras tantas situações inusitadas que venham a se deparar — avaliem, com a devida cautela, se irão ou não se valer da imunidade veiculada pelo 149, §2º, I, da CF/88.

 

E, em caso positivo, que estejam cientes da necessidade de munir-se de elementos, não só jurídicos, mas especialmente comprobatórios de que as aquisições domésticas integram uma cadeia única de vendas ao mercado externo, diante da probabilidade de resistência por parte dos órgão fazendário, bem como da eventual necessidade de instauração de um novo contencioso em busca do reconhecimento da extensão da imunidade aos casos concretos, cujas particularidades não se mostram explicitamente enfrentadas na ADI, nem no julgamento do Tema 674.

 

[1] Restrição esta, ressalte-se, anteriormente também imposta pelo Instituto Nacional da Seguridade Social – INSS, através da IN 03/2005, artigo 245.

 

[2] ADI n ° 4.735/DF, Plenário do STJ, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgada em 12/02/2020.

 

[3] RE n° 459.244/SP, Plenário do STF, REl. Min. Edson Fachin, Tema 674 da Repercussão Geral, j. em 12/02/2020.

 

[4] RE n° 627.815/PR, Plenário do STF, Rel. Min. Rosa Weber, Repercussão Geral, j. em 23/05/2013.

 

[5] CALCINI, Fábio, Agroindústria e a imunidade nas receitas de exportação indireta para Funrural, pg. 3/7. https://www.conjur.com.br/2019-fev-22/direito-agronegocio-agroindustria-imunidade-receitas-exportacao-indireta.

 

[6] Ibid. ADI nº 4.735/DF.

 

[7] Nos termos do artigo 12, inciso VII da Lei 8.212/91

 

[8] Ibid. ADI nº 4.735/DF, p. 13/91.

 

Fábio Pallaretti Calcini é advogado tributarista, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, professor da FGV Direito-SP, INSPER e Ibet, doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP e ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

 

Marcelo Guaritá Borges Bento é mestre em Direito pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo (CMT/SP), membro Fundador do Comitê Tributário da Sociedade Rural Brasileira (SRB), professor MBA Agronegócio do Pecege ESALQ-USP, professor no curso de Tributação do Agronegócio de Ibet, Apet e Insper e sócio do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados.

 

Taís Mascarenhas Bittencourt é pós-graduanda em Direito Tributário, LL.M Master of Laws (Insper) e advogada tributarista, sócia do escritório Mota Fonseca e Advogados.

 

Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2021

 

https://www.conjur.com.br/2021-set-17/direito-agronegocio-funrural-receitas-decorrentes-exportacao