PGBR NA MÍDIA

Contribuinte corre contra o tempo para declarar ‘offshore’
Receita Federal publicou instruções adicionais na reta final da entrega do IRPF, mas há dúvidas sobre preenchimento
Por Beatriz Olivon — De Brasília
Faltando poucos dias para o fim da entrega da declaração do Imposto de Renda (IR), o primeiro com as regras para tributação de estruturas de investimentos no exterior (as “offshores”), a Receita Federal publicou 411 páginas de instruções para os contribuintes. Havia dúvidas sobre como fazer o reporte anual porque faltava, até então, um detalhamento de como informar os ganhos auferidos fora do Brasil, quando esses não fossem fruto de investimento direto da pessoa física.
Vai ser um teste para os efeitos da lei nº 14.754, de 2023, na parte que trata da tributação de ativos no exterior, com mudanças significativas nas regras de taxação de aplicações e ativos em fundos ou em holdings de investimentos
“Essa foi a principal alteração no regime de tributação brasileiro no exterior, é um divisor de águas”, afirma Hermano Barbosa, sócio do BMA Advogados. O advogado diz que, contrariando expectativas, o programa de declaração do IR foi muito tímido nas referências à nova lei. “As informações precisam ser apresentadas mas estão presentes em pouquíssimos novos campos criados na versão deste ano do IR”, afirmou. Para ele, é uma regra muito complexa para ser aplicada com base em um sistema de declaração excessivamente simples.
“Faço declaração de IR há quase 30 anos e nessa me chamou a atenção que nem ‘perguntas e respostas’ teve”, afirmou Elisabeth Libertuci, sócia do escritório Lewandowski Libertuci, em referência à publicação da Receita que ajudava a esclarecer dúvidas sobre as declarações e que não foi divulgada neste ano, devido à greve dos auditores federais. Saiu somente essa instrução de preenchimento, ainda assim, em meados deste mês de maio, perto do prazo final de entrega. “Muitas pessoas já entregaram a declaração”, relata.
Apesar de as offshores serem uma reserva de patrimônio de famílias com renda mais alta, Joanna Oliveira Rezende, sócia do PGBR Advogados, afirma que muitos detentores desses investimentos fazem a própria declaração. “Está tendo muita dúvida”, diz. Há também muito engano, segundo a advogada, porque havia a expectativa de a declaração vir com um anexo, como de ganho de capital, mas não foi o que aconteceu. “Até simplificou, mas é a primeira vez que um contribuinte apura imposto na declaração de bens e direitos”, afirmou.
“Faço declaração de IR há quase 30 anos e nessa me chamou a atenção que nem ‘perguntas e respostas’ teve”
— Elisabeth Libertuci
“Temos recebido muitas solicitações para revisar o que os contadores estão fazendo, para que as famílias tenham certeza que a declaração está correta”, relata Ana Claudia Utumi, sócia do Utumi Advogados. De acordo com a advogada, seria importante que, para os próximos anos, houvesse um anexo específico, como existe para atividade rural, ganhos de renda variável, ganhos de capital.
As offshores têm dois desenhos que tiveram que ser escolhidos ainda em 2024 pelo contribuinte e que afetam a forma de tributação. A lei trouxe a offshore “transparente”, em que a declaração deve ser feita como se todos os investimentos tivessem sido feitos pela pessoa física. Já a offshore clássica, chamada de “opaca”, modelo considerado o mais adequado para carteiras com grande fluxo de transações, com rendas de juros, dividendos, ativos pulverizados, com dívida e que investem em países que não têm acordo de bitributação com o Brasil.
A diferença entre elas é o momento de tributação e do câmbio. Na transparente, a renda é tributada a cada evento de realização de renda, incluindo a variação cambial. Na opaca, basta a valorização e a tributação ocorre no momento em que os lucros são apurados no balanço anual. A transparente pode diferir o imposto mas, quando for quitado, deverá ser calculada a variação cambial também sobre o principal e não só sobre os rendimentos.
Um problema na transparente, segundo o tributarista Roberto Duque Estrada, sócio do Brigagão Duque Estrada Advogados, é não existir compensação de tributo pago no exterior com o devido no Brasil referente a investimentos diferentes. Se o contribuinte pagou, por exemplo, 30% em uma distribuição de dividendos e tem que pagar 15% aqui referente a título isento no exterior, não paga a diferença do imposto total.
“Na interpretação da norma parecia que poderia fazer o somatório de rendimentos e imposto e compensar, mas o programa não veio assim”, afirmou.
Os contribuintes também tomaram um susto com o câmbio, que terá efeito nos valores a serem pagos, segundo Natalia Zimmermann, sócia do Vellozza Advogados. “Por mais que a gente tenha simulado [quanto seria pago], quase todas as simulações ficaram abaixo da realidade justamente pela valorização grande que observamos nos ativos pré-Trump. Nem nas nossas simulações mais pessimistas previmos isso”, afirmou.
Uma nova versão do programa de declaração, disponibilizada na última semana, manteve os campos para declaração de investimentos e participações societárias no exterior constantes na primeira versão para download, mas trouxe alguns alertas ao iniciar o preenchimento de cada item, com orientações de como a Receita Federal quer que os dados sejam informados.
Uma das orientações é especialmente importante. A Receita exige que o contribuinte que tenha offshore informe na descrição do bem o valor dos saldos registrados em 31 de dezembro de 2024 na conta de “resultados abrangentes”, com o alerta de que o valor registrado nessa conta poderá ser fiscalizado “com especial rigor”.
Na prática, a exigência é para que o contribuinte abra um campo que ficaria oculto no balanço da offshore. É uma forma de a Receita ver se foi direcionado a esse campo – onde entram itens que não são tributados – algum sobre o qual incidiria o imposto.
“Os valores registrados de tal forma não impactam o lucro da sociedade, de modo que não se sujeitam à tributação do IRPF no Brasil. Mas esses valores podem vir a impactar o resultado da sociedade, a depender de eventos futuros”, segundo Felipe Kneipp Salomon, do Levy & Salomão Advogados. Para ele, a Receita demonstra preocupação com essa possibilidade, possivelmente entendendo que seria um artifício para diferir tributação, o que a legislação procurou evitar.
Em nota enviada ao Valor, a Receita orienta que o contribuinte deve retificar a declaração caso verifique alguma divergência com as orientações disponibilizadas.
Questionada sobre a demora para a publicação das instruções, o Fisco disse que tem adotado uma série de medidas desde 2023 para esclarecer sua interpretação sobre a tributação de offshore e aplicações financeiras no exterior. “A publicação da Instrução Normativa RFB nº 2.180, em 11 de março de 2024, trouxe detalhamento sobre o tratamento tributário dessas estruturas”, alega a Receita Federal.
Na Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) 2025, a Receita disponibilizou um novo conjunto de orientações no sistema “Ajuda”, acompanhado de “alertas” para melhor orientar o contribuinte e evitar informações erradas, que repete as orientações contidas nos materiais já citados. A Receita não comentou se esses alertas visam fechar eventuais brechas para sonegação.