PGBR NA MÍDIA
As importantes inovações da MP 897, a MP do Agro
Por EBER DE MEIRA FERREIRA
Crédito: Pixabay
O advento da esperada Medida Provisória nº 897, também já conhecida como MP do Agro, publicada em 2 de outubro de 2019, traz uma série de disposições alterando leis fundamentais que balizam as relações financeiras no campo do agronegócio, sobretudo aquelas relacionadas às operações de crédito, elemento vital ao sucesso do empreendimento agrícola e pecuário.
Algumas das inovações da MP do Agro podem afetar de forma positiva as operações jurídico comerciais do agronegócio, destacando mudanças trazidas à Cédula de Produto Rural – CPR, o advento da Cédula Imobiliária Rural – CIR e do Patrimônio de Afetação às operações do agronegócio.
Destacamos primeiro as inovações trazidas à amplamente utilizada Cédula de Produto Rural – CPR, regulada pela Lei Federal 8.929 de 1994. Com o advento da legislação em estudo, sua emissão poderá observar a forma já conhecida, denominada “cartular”, como também fazer-se por meio escritural, mediante seu lançamento em “sistema eletrônico de escrituração” a ser gerido por entidade autorizada pelo BACEN.
É importante observar que as Cédulas de Produto Rural emitidas a partir de 1º de julho de 2020 obrigatoriamente serão realizadas em sua forma escritural, devendo nos termos do art. 12 da Medida Provisória ser registrada ou depositada em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários a exercer a atividade de registro ou de depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários.
O disposto no artigo 38 da Medida Provisória altera a redação do artigo 3º da Lei 8.929/1994, inserindo o artigo 3-D, o qual traz a possibilidade de negociação da CPR nos mercados de valores mobiliários, desde que registrada ou depositada em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros.
O parágrafo único do mesmo dispositivo é claro ao considerar a CPR como ativo financeiro isentando sua operação de imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários, na hipótese de ocorrência da sua negociação nos mercados mobiliários.
Em termos práticos, a inovação permite a circulação e negociação da CPR no Mercado Financeiro, com maior segurança jurídica, dinamizando a operação e permitindo impulso na oferta de crédito, lastreado nas obrigações contidas na Cédula.
A medida deverá ainda contribuir para a queda nas taxas de juros, mesmo que a médio ou longo prazo.
A modernização do já conhecido título de crédito se observa também na possibilidade de emissão da CPR contendo Cláusula de Variação Cambial, o que atende a ampla internacionalização no comércio de commodities agrícolas, não raras vezes afetando operações de produtores rurais de todas as escalas.
Para que seja possível a inserção da chamada Cláusula de Variação Cambial, deve a operação em questão atender aos requisitos dos incisos do parágrafo 3º do artigo 3-E inserido pela MP na Lei 8.929/1994, quais sejam: I – os produtos rurais especificados sejam referenciados ou negociados em bolsas de mercadorias e futuros, nacionais ou internacionais, cotados ou referenciados na mesma moeda prevista na cláusula de correção; e II – seja emitida em favor de: a) investidor não residente, observado o disposto no § 4º; b) companhia securitizadora de direitos creditórios do agronegócio, com o fim exclusivo de ser vinculada a Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA com cláusula de variação cambial equivalente; ou c) pessoa jurídica apta a emitir Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, com o fim exclusivo de ser vinculada a CDCA com cláusula de variação cambial equivalente.
Outra inovação importante é a possibilidade de o proprietário de imóvel rural, seja ele pessoa física ou jurídica, submeter seu imóvel ou parte dele ao Regime de Afetação. Tal regime constitui-se em instrumento jurídico que permite ao proprietário de imóvel afetá-lo à garantia de operação de crédito específica, ou seja, desvincular a propriedade imobiliária rural, total ou parcialmente, da figura de seu proprietário para fins legais até o adimplemento do crédito concedido, vinculando-a de forma exclusiva como garantia ao cumprimento de sua obrigação de pagar pelo crédito.
Nas palavras de Caio Mario as Silva Pereira tais bens são “gravados com um encargo ou são sujeitos a uma restrição, de modo que separados do patrimônio e afetados a um fim, são tratados como bens independentes do patrimônio geral do indivíduo.”
Sua constituição faz-se por meio de sua inscrição junto ao regime imobiliário, atendidos os requisitos trazidos na Medida Provisória, sendo vedada, todavia, nos termos de seu art. 7, incisos I a IV, que o patrimônio de afetação incida sobre: 1) imóvel já gravado por hipoteca, por alienação fiduciária de coisa imóvel ou outro ônus real, ou, ainda, que tenha registrado ou averbado em sua matrícula qualquer uma das informações de que trata o art. 54 da Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015; 2) a pequena propriedade rural de que trata o inciso XXVI do caput do art. 5º da Constituição; 3) a área de tamanho inferior ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento, o que for menor, nos termos do disposto no art. 8º da Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972; ou 4) o bem de família.
A medida torna mais segura a concessão do crédito ao destacar parcela do patrimônio exclusivamente como garantia ao adimplemento de dívida especifica, decorrente do financiamento agrícola, não se permitindo a teor dos incisos I e II, parágrafo 3º artigo 9 da MP que seja utilizado para realizar ou garantir o cumprimento de qualquer outra obrigação assumida pelo proprietário estranha àquela a qual esteja vinculada, sendo ainda impenhorável e não passível de ser objeto de constrição judicial.
Destaca-se também a possibilidade de afetação parcial do imóvel, permitindo que um bem registrado sob a mesma matrícula possa ser fracionado para fins de garantia da dívida, o que permitirá a utilização de um mesmo imóvel para a obtenção de diversas linhas de crédito, sem que concorram sobre a mesma garantia.
Largamente utilizado no setor imobiliário nos regimes de incorporação, é mais uma inovação aplicável ao agronegócio visando a ampliar as possibilidades de tomada de crédito pelo produtor rural, em qualquer escala, do produtor individual às grandes companhias produtivas.
Por fim, além de alterações legislativas a instrumentos já conhecidos, como a Cédula de Produto Rural, o Certificação de Depósito Agropecuário e o Warrant Agropecuário, a MP do Agro criou um novo título de crédito: a Cédula Imobiliária Rural – CIR.
Trata-se de título de crédito passível de transferência e de livre negociação, o qual representa promessa de pagamento em dinheiro decorrente de operação de crédito contratada com instituição financeira, vinculando em garantia a obrigação de entrega a favor do credor bem imóvel rural, ou fração deste vinculado ao patrimônio de afetação.
O tomador do crédito deve estar atento às disposições previstas no artigo 24 da MP, o qual aplica às dívidas vencidas e não liquidadas o direito ao credor de executar a garantia na esfera extrajudicial, procedendo à transferência do imóvel ao patrimônio do credor por meio de operação no âmbito do Cartório de Registro de Imóveis, dentro da sistemática da alienação Fiduciária de Bem Imóvel trazida pela Lei Federal 9.514 de 1997.
Das inovações destacadas percebe-se claramente o intuito de modernizar institutos já existentes e criar novas soluções, de forma a facilitar sobretudo a circulação do crédito e torná-lo mais acessível, permitindo ainda a atuação de novos agentes de crédito no agronegócios, como as Fintechs, atendendo não somente o polo produtor desta relação como também as instituições financeiras de fomento ao crédito, modernizando o campo das garantias jurídicas ao adimplemento das dívidas — o que, consequentemente, tende a tornar o crédito mais acessível.
Nesta ótica, sem dúvida são bem-vindas as novas disposições, todavia deve o produtor rural tomador de crédito estar atento aos riscos de cada operação e estruturar suas operações da maneira mais correta, observando os termos desta legislação, de forma a proteger o bem mais essencial a atividade agrícola, a propriedade rural.
A modernização das ferramentas financeiras relacionadas ao agronegócio é uma realidade a ser festejada, há muito esperada, mostrando-se o setor atento ao veloz advento das novas tecnologias, com a implementação de soluções de inteligência artificial, biotecnologia, criação de startups visando soluções inovadoras ao agronegócio.
Esta modernização não pode todavia ser desacompanhada de soluções jurídicas à altura dos seus desafios, sendo a edição da Medida Provisória nº 897 passo extremamente importante para que possibilitem-se no campo jurídico e negocial soluções que tornem possíveis, sobretudo pela modernização e barateamento do crédito e dos institutos jurídicos ligados ao direito do agronegócio, trazer ao homem do campo o acesso a tais tecnologias e soluções.
EBER DE MEIRA FERREIRA – Advogado do escritório Peluso, Stüpp e Guaritá Advogados.