PGBR NA MÍDIA
Apesar de bem-vinda, transformação da ANPD em agência reguladora levanta preocupações
Para o advogado Matheus Puppe, é uma pequena mudança, mas que impacta no poder da ANPD. “Como autarquia especial, ela passa a se equiparar com outras agências reguladoras, com dotação orçamentária própria e uma procuradoria interna, fortalecendo seu poder fiscalizador e regulador, conferindo capacidade processual própria para ações judiciais e agora com recursos para sua melhor estruturação”, explica o advogado, sócio da área de Privacidade & Proteção de Dados do Maneira Advogados.
Puppe acredita que com esta mudança nasce um novo ciclo, onde as ações judiciais e administrativas poderão ganhar espaço, e as empresas que ainda não se adequaram, terão seus riscos potencializados. “A mudança confere por exemplo a capacidade da ANPD de promover ações judiciais na defesa de direitos mais amplos ou aplicação de medidas cautelares contra violações à LGPD”, explicou Puppe.
Já Antonielle Freitas acredita que com a nova personalidade jurídica, a ANPD dá um grande passo, se assemelhando às autoridades europeias (DPAs), o que trará benefícios para a cooperação internacional. “Com a MP, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados como autarquia desvinculada à presidência da República passa a ter os mesmos níveis de independência que outras agências brasileiras, como a Anatel, Anvisa e o Banco Central, com estruturas administrativa e financeira independentes”, explica Freitas, que é DPO (Data Protection Officer) do escritório Viseu Advogados.
Robustez regulatória
Para Willian de Souza do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, a MP traz para a ANPD maior confiabilidade e robustez ao sistema regulatório brasileiro em matéria de privacidade e proteção de dados pessoais, elevando, o patamar do Brasil no cenário internacional neste quesito.
Na avaliação de Marcelo Cárgano, advogado do escritório Abe Advogados, a transformação da ANPD em uma autoridade plenamente independente trará impactos ainda mais positivos para a população em geral, como a maior probabilidade de o Brasil ver a ser reconhecido como um país que fornece proteção adequada a dados pessoais, o que facilitaria o livre fluxo internacional de dados.
“Também favorece a entrada do Brasil em organismos como a OCDE. Ressalto que na publicação “A Caminho da Era Digital no Brasil”, de 2020, a OCDE expressamente recomendou que o Brasil alterasse a LGPD e garantisse total independência à ANPD para aumentar a confiança no ambiente digital e fortalecer a segurança digital e a proteção aos dados pessoais e aos consumidores”, lembrou o advogado.
“A transformação da Agência Nacional de Proteção de Dados em autarquia, pela Medida Provisória nº 1124, publicada hoje, 14/06, no DOU, é um importante passo já aguardado desde a publicação da Lei Geral de Publicação de Dados. Com a medida, o órgão assume personalidade jurídica de agência reguladora, dotada de autonomia técnica e decisória, o que traz mais segurança aos titulares de dados e eleva o nível de adequação do nosso país, principalmente no cenário mundial”, explica Nádia Cunha, do escritório Jorge Advogados Associados.
Ela lembra que a mudança de personalidade jurídica da ANPD segue um modelo já adotado pela União Europeia. “Vale lembrar que a União, os Estados, o Distrito Federal e Municípios, também devem observar a Lei Geral de Proteção de Dados (art. 1º, parágrafo único, da Lei 13.709/2018). Assim, a autonomia para executar todas as suas atribuições, inclusive em face do poder público, certamente trará uma atuação mais efetiva da Agência Nacional de Proteção de Dados, com muitos avanços, mormente em relação à fiscalização e aplicação de sanções àqueles que não estiverem adequados à LGPD”, aponta a advogada.
Preocupações
Preocupações também foram apontadas com a edição da MP nesta quarta-feira, 14. Victor Vieira, pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), lembra que a autonomia da ANPD é algo pelo que se esperava há algum tempo, antes mesmo da entrada em vigor da LGPD. “Essa nova personalidade jurídica é um dos requisitos para o devido funcionamento da Autoridade – sem vinculação com órgãos do Poder Executivo e livre para exercer suas atribuições de maneira imparcial e levando em consideração o interesse público”, avalia Vieira.
Contudo, o pesquisador enxerga algumas preocupações nessa mudança por meio de Medida Provisória. “Primeiro, há questionamentos quanto à constitucionalidade dessa mudança de natureza jurídica da ANPD através de uma MP – embora se possa argumentar que há uma certa urgência na definição de como será a constituição jurídica da Autoridade, porque estamos nos aproximando do prazo de dois anos estipulado na lei 13.853/2019 para essa alteração da natureza jurídica da ANPD, de órgão da Presidência para autarquia especial”, explica Vitor Vieira. Ele lembra que a data limite para que tal mudança ocorresse é novembro, aniversário da posse do Presidente da ANPD, quando começou a viger sua estrutura regimental.
Outra preocupação apontada por Victor Vieira, é que como a Medida Provisória para realmente surtir efeitos jurídicos precisa ser submetida a votação tanto na Câmara quanto no Senado, então, o representantes do IRIS acredita que ainda é cedo para se assumir como certa a autonomia administrativa da ANPD.
Outra preocupação levantada por Vieira é a ausência, na MP, de previsões orçamentárias. “Para os dois pontos anterior, algo preocupante nessa nova MP é o fato de que não há previsões específicas para o orçamento da ANPD, deixando a autarquia essencialmente ainda vinculada aos arbítrios da Presidência da República em termos financeiros – o que já se mostrou um problema nos primeiros anos de existência da Autoridade”, afirma o pesquisador.
Por fim, Victor Vieira também lembra que este ano é um ano de eleições presidenciais, e nesse cenário, é impossível saber se a MP foi fruto de um interesse legítimo por trazer mudanças benéficas para o País ou, alternativamente, editada com intenções implícitas de alavancagem eleitoral – o que complexifica a análise sobre as vantagens e desvantagens da Medida.