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PGBR NA MÍDIA

21 de setembro de 2021

Reflexões sobre o problema social no Brasil

José Ubirajara Peluso e José Pedro Camargo Rodrigues de Souza*

 

21 de setembro de 2021

 

A questão social surgiu após a descoberta da máquina a vapor em 1712, aperfeiçoada para fins industriais no final do século XVIII, que permitiu o desenvolvimento da indústria têxtil. Surgiram as fábricas, aglomerando pela primeira vez trabalhadores abandonados à própria sorte. A reação natural dos trabalhadores foi de se agruparem para o enfrentamento da exploração capitalista.

 

No Brasil, país em eterno desenvolvimento, o parque industrial só se desenvolveu a partir da metade do século passado. As primeiras fábricas foram instaladas pelos grandes proprietários rurais.

 

O trabalhador passou a ter salário protegido somente a partir de maio de 1940, quando foi instituído o salário-mínimo.

 

A ascensão da classe média, até então restrita aos comerciantes e servidores públicos, deu-se praticamente a partir da metade do século passado com a chegada das empresas multinacionais.

 

Nesse novo cenário de grande empreendimento estrangeiro instalado no Brasil parte dos trabalhadores passaram a desfrutar de salário mais condizente com a vida e grande parte deles conquistou cargos de comando, vicejando assim a classe média.

 

Na metade do século passado a população no país era de pouco mais de 50 milhões de pessoas, metade dela de analfabetos e metade vivendo na área urbana. Em dez anos, 24% da população rural migrou para as áreas urbanas e o número de analfabetos que passava de 50% da população foi reduzido para 39%.

 

Foi o período que permitiu o progresso. De grandes marcos para a modernidade. De pujança da economia. De desenvolvimento social. De acentuada modernidade.

 

No campo do ensino se abriu clima propício para o estudo e profissionalização, com o emprego a espera do jovem e do homem bem formado para o trabalho.

 

A partir da década de 1980 o país teve o primeiro grande impacto social com a crise do petróleo. A partir de então a economia se desarranjou e a sociedade foi tomada pelo descontrole causado pela inflação.

 

Ainda próximo ao final do século passado surgiu o fenômeno da globalização da economia, que derrubou fronteiras e permitiu que a produção mundial fosse transferida para os países de mão de obra mais barata, como a China e a Índia. Esse novo modelo mundanizado afetou os países em desenvolvimento e drasticamente os trabalhadores mais pobres.

 

A inflação alta no país só foi controlada em 1994, com o plano Real, que arrumou a economia e permitiu a retomada de força para o desenvolvimento. Arrumou-se economicamente, mas se esqueceu das necessidades de seu povo.

 

O país não cuidou do ensino. Não focou a educação. Não teve vocação para profissionalizar os jovens, especialmente aqueles que são filhos da pobreza.

 

E o ensino mudou de feição. A profissionalização não deu mais conta de formação do jovem, nem acompanhou adequadamente as mudanças da tecnologia de produção.

 

Embora o país tenha passado por razoável período a partir do Real desde 1994, voltou a crise econômica no final de 2014, com a deposição da presidente da República.

 

Os investidores internacionais desapareceram. O desemprego aumentou. A base salarial diminuiu. Os benefícios diminuíram. O trabalho por emprego foi reduzido. Aumentou a informalidade. E a miséria se agravou.

 

Ao lado desse cenário, o avanço da tecnologia, a robotização, a automação e a informática – possibilitando a comunicação instantânea em qualquer parte do mundo – permitiu a transferência dos centros de negócios empresariais para países mais organizados e seguros. Surgiram a telefonia celular, as transmissões por internet, os drones. E a forma de trabalho se alterou.

 

O resultado é o de que os meios de produção e de serviços precisam cada vez de menor número de trabalhadores. E de trabalhadores qualificados. Sobram principalmente os trabalhadores com pouca escolaridade e quase nenhuma profissionalização.

 

O desemprego obriga o homem a procurar outra forma de subsistência. Surgem o trabalho avulso, o autônomo, o “PJ”, e o pequeno empreendedor. Ainda assim sobram trabalhadores sem nada, nem mesmo para alimentar os seus filhos. Sobram crianças e jovens sem oportunidade e sem esperança.

 

Ao meio da crise iniciada em 2014 aparece no mundo a pandemia e a necessidade de serem adotadas medidas sanitárias para minimizar a propagação do vírus. Enquanto não chegou a vacina e ela não for suficiente para atender a vacinação em massa, o caminho determinado, ainda que discutível, foi o isolamento social, com implicações na atividade produtiva.

 

O trabalhador foi para casa. Os empresários colocaram atividades possíveis em “home office” e pararam a produção, concederam férias individuais ou coletivas, licença remunerada, ou suspensão do contrato de trabalho, e iniciaram a prática do trabalho fora do estabelecimento.

 

O Estado obrigou a paralisação das atividades produtivas, salvo exceções no comércio e sistema hospitalar. A medida, ainda que provisória, tornou inviável a continuidade de empresas, especialmente as de médio e pequenos portes, aumentando significativamente o desemprego. As grandes empresas foram obrigadas a fazer corte de trabalhadores.

 

Com o objetivo de minimizar os impactos da pandemia no trabalho, o governo federal editou medidas provisórias na tentativa de adequar as regras trabalhistas a nova realidade. Referidas medidas permitiram o teletrabalho, a suspensão provisória do contrato de trabalho, a redução da jornada de trabalho e proporcional dos salários, mediante concessão de benefício substitutivo para minimizar a perda salarial, a concessão por antecipação de férias, tudo com garantia provisória do emprego.

 

São regras provisórias que, entretanto, algumas delas poderão se tornar definitivas como nova forma de trabalho praticada, como é o caso da atividade em “home office”.

 

Contudo, essas regras em quase nada resolverão para o numeroso contingente de trabalhadores despedidos, diante da drástica redução da produção, seja por conta de empresas de grande porte que diminuíram o seu quadro de empregados, seja por decorrência das empresas que desapareceram.

 

Em face da pandemia houve, pois, considerável impacto no trabalho, com o aumento de desocupados e o crescimento da miséria.

 

Neste momento é preciso tentar restabelecer a vida dos trabalhadores e empresários acometidos pela pandemia. E com toda certeza não será possível voltar-se ao estado de situação anterior.

 

Portanto, a pandemia é só mais uma preocupação da questão social. Quando ela chegou o desemprego e a miséria já eram visíveis e de grande preocupação da sociedade.

 

Passada a pandemia será preciso que o país se conscientize do problema social. Que a sociedade seja atenta e sensível a essa desastrosa realidade. Que o governo repense as suas políticas e se debruce sobre a atividade econômica e a necessidade social.

 

Passou o tempo de o governo debruçar-se sobre o artigo 1º da Constituição Federal e empreender administração capaz de dar ao seu povo cidadania, dignidade humana e os valores sociais do trabalho. De observar o artigo 3º da Carta para “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

 

É tempo do Direito do Trabalho considerar que se edificou sobre a proteção do trabalho realizado dentro das fábricas, com vocação exclusiva para defender o empregado e que as formas de trabalho se modificaram ao longo do tempo, de modo que precisa se expandir – abrir espaço – para a proteção de todo trabalhador. Repensar o sentido da proteção e melhoria da condição social de todo trabalhador do mundo moderno. De exigir que todos tenham garantias mínimas. De abarcar as relações de trabalho que caminham a passos largos para formas inventivas de contratação, seja pelo gosto do mundo globalizado, seja pelas novas formas de produção de riquezas decorrentes das novas tecnologias, informática etc.

 

É tempo da Justiça do Trabalho expandir a sua competência, como garante o artigo 114, da Constituição Federal e abarcar “as ações oriundas da relação de trabalho”.

 

*José Ubirajara Peluso é sócio do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados e membro da Academia Paulista de Direito do Trabalho

 

José Pedro Camargo Rodrigues de Souza é desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região e membro da Academia Paulista de Direito do Trabalho

 

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/reflexoes-sobre-o-problema-social-no-brasil/